Radical Optimism é bagunça ou tem conceito?
Tive a ideia dessa postagem após ver uma pessoa questionar um portal de música pop sobre qual seria o conceito do Radical Optimism, pois, na opinião dela, parecia confuso. Para contextualizar, isso se deu após o lançamento dos três singles do álbum: Houdini, Training Season e Illusion. porém antes do lançamento do álbum completo.
Claro, olhando por alto a conclusão é de que Dua Lipa, no papel de protagonista de todos os clipes, estará em foco e terá todo destaque do mundo, com seu uso exacerbado de dançarinos e figurantes, como vimos em Physical e Break My Heart, ou ainda no álbum de estreia, como em New Rules e Blow Your Mind. Todos esses clipes tem um quê de estar ali em grupo, seja pra festejar, um ombro amigo pra chorar, lutar por direitos, ela tem essa coletividade como uma expoente na videografia dela. Porém, quando somamos a parte visual dos clipes com as letras que ela selecionou entre as noventa e sete1 escritas no caderno dela, vemos mais do que uma multidão de padrões e ela sendo uma estrela do pop.
Houdini foi o primeiro single da era, focado em dança e uma psicodelia causada pelos reflexos e jogos de luzes. Diria que aqui se anuncia mais o tom da era — um tanto mais obscura que as anteriores — do que o conceito em si, mesmo que o conceito de estar sozinha numa multidão já esteja ali, com diversas sequências em que a multidão é uma ilusão que se esvai num piscar de luzes, ou com todo o jogo de espelhos que destaca como ela está sozinha, seja com ênfase nela ser a única pessoa numa sala enorme, seja com ela estando acompanhada apenas de dezenas de cópias dela, sejam os reflexos, seja nesse shot de cima pra baixo onde todos os dançarinos deixam de ser individualizados e viram um mar do mesmo tom de ruivo que ela.
Destaco que o instrumental do dance break e do encerramento é simplesmente maravilhoso, mesmo que o ouvinte não soubesse que o produtor principal do álbum era o Kevin Parker (Tame Impala), você apontava e dizia “isso parece algo que o Tame Impala faria”. Tematicamente, já pontua a busca por um relacionamento e a ânsia por uma pessoa que seja uma constante ao seu lado, tema que é retomado nos singles seguintes e, fora dos singles, a faceta da impaciência com relacionamentos é retomada em French Exit.
Seguindo para o segundo single, Training Season é onde a gente de fato vê essa história sendo contada visual e sonoramente para além da faixa em si. O clipe começa com diversas vozes masculinas falando um monte de desculpas esfarrapadas pelo telefone e encerra com uma mensagem de caixa postal lotada. Durante o clipe todo ela tem esses encontros, e vemos esses pretendentes através de um reflexo, sobrepostos à imagem da Dua, dividindo ela do mundo, depois eles chegam e se amontoam atrás do vidro, como se todos estivessem observando um animal no zoológico, até mesmo deixando sobressair a solidão da fama, com a Dua em si sozinha na mesa. Temos uma sucessão de encontros, nenhum deles dando certo2 e por fim tudo vira uma algazarra com umas sombras dignas de uma pintura barroca.
E ainda não falei da parte da letra, mas o clipe e a letra se entrelaçam muito bem aqui, e esse single é o que mantém a ligação entre os demais singles da era. Existe um foco no fator comunicação, e quando olhamos pro clipe, vemos esses pretendentes se comunicando uns com os outros, mas com relação à Dua, ora esse olhar é mesmerizado e passivo como o de quem encara uma deusa, ora é agressivo, como o de quem observa um pedaço de carne. De qualquer maneira, não há comunicação e temos o agravante de que pelo olhar deles ela deixa de ser uma pessoa a ser amada, com quem se conversa de igual para igual e se torna um troféu. Mais uma vez, ela está sozinha em meio à uma multidão.
Por fim, Illusion, que nos traz muito mais a imagem da popstar, da Dua Lipa deusa, que mesmo antes do lançamento já foi recepcionado por fãs e canais de notícias como uma homenagem à música pop assim que se tornou pública a informação de que o clipe fora filmado na Piscina Municipal de Montjuïc em Barcelona, local da gravação de Slow da Kylie Minogue, além de repetir uma pose muito famosa da música pop ao ser içada por um aro de aço, que alguns ligaram à capa do Endless Summer Vacation da Miley Cyrus, mas ambos meio que são uma referência à Madonna3.
Apesar de lindo, não é meu single favorito, mas gosto muito dessa dicotomia da deusa no topo de uma pirâmide humana com a letra onde quem está nesse pedestal não é ela, mas sim o possível objeto de sua afeição, um jogo onde essa idealização, por mais que alguém se force a ver como algo positivo termina por criar muros em vez de união.
Aqui também se apresenta uma primeira virada do álbum, que vai de uma pessoa tão difícil de agradar pra alguém que acaba sendo leniente e acaba tentando se agarrar a uma relação a todo custo, para o bem ou para o mal, como em Falling Forever e These Walls. e que termina com a virada de Anything For Love, Maria e Happy For You, com um olhar sincero e maduro de quem segue em frente após um término e está pronta para recomeçar um novo ciclo de (des)ilusões, tal como em End of An Era.
Tudo isso pra dizer que a partir dos singles, já dá pra ver que se trata de um álbum sobre solidão. Não aquela solidão que as pessoas associam com carência, mas sim uma solidão relacionada à decepção e ao cansaço de relacionamentos em si, dessa jornada da procura por alguém que esteja na mesma página.
Foi um álbum divertido de ouvir, e apesar de discordar das críticas de que os lançamentos dela são repetitivos, também acho que esse álbum não foi tão bom quanto poderia ser por não ter ido mais fundo no som que prometia ter e como consequência, não se distanciou tanto desse espantalho do “lançou a mesma música 20 vezes”, mesmo sendo diferente. Pescando de volta as primeiras declarações da Dua sobre o álbum, ele seria um álbum inspirado no pop psicodélico britânico dos anos 70, citando Primal Scream e Massive Attack4 como inspirações pro som da era e a gente viu ela mergulhando um pezinho aqui outro ali nos singles, mas quando se ouve o álbum em sua integralidade os elementos que eram tão sólidos nos singles se diluem e acaba por se aproximar mais de um pop contemporâneo e não de algo setentista.
https://youtu.be/R2gE4-eltpM/. Dua Lipa Says ‘Houdini’ Is One of 97 Songs She Wrote For Her New Album.↩
https://www.youtube.com/live/xVrZ88vm_z4/ @7:50 Dua Lipa: "Training Season" was Inspired by a "Bad Date".↩
https://x.com/dualipacentral_/status/1778565390014005697/ ⚠ NSFW. Inspirações: para o vídeo de “Illusion”, Dua Lipa traz referências de Madonna e Kylie Minogue nos clipes de “Slow” e “All The Lovers”.↩
https://www.rollingstone.com/music/music-features/dua-lipa-third-album-influences-dating-life-acting-1234945422/. Dua Lipa Is Done Being a Mystery.↩